quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Um pouco sobre o paisagismo de Santo André

Há tempos tenho pensado em postar algumas coisas das quais me orgulho de ter participado e que hoje em dia me entristece olhar e constatar os rumos tomados...
Em setembro de 2008, escrevi aqui sobre a importância dos fragmentos florestais e citei um dos aspectos contemplados no paisagismo da cidade de Santo André, o post tá aqui!
O que me fez sair do plano das idéias para o mundo das ações no caso específico deste texto foi um micro post que fiz hoje no facebook: ¨Caminhando por pontos altos de minha cidade, subindo viadutos e passarelas num bonito fim do dia pensei, o quanto é privilegiada a vista por cima da copa das árvores, ainda mais quando a diversidade está contemplada! Dá para entender a alegria dos passarinhos que sobrevivem na floresta cinza....¨
Daí, pensei então: Já chega de adiar esse desabafo né!?, bora ampliar este post... aqui estou!
Então para contextualizar o dito acima, precisamos retornar ao ano de 2002... onde eu e mais uma galera boa (boa parte de estudantes e pesquisadores do Instituto de Botânica de SP e outras importantes instituições de pesquisa e ensino) fomos selecionados para um projeto chamado ¨Tudo em Volta¨, da cidade de Santo André, que visava dentre vários objetivos, conectar a educação do munícipio com as mudanças paisagísticas e ecológicas da região, uma parceria entre a Secretaria de Serviços Municipais (mais precisamente o DEPAVE - Departamento de Parques e Áreas Verdes) e a Secretaria da Educação.
O projeto funcionava como sistema e vou tentar explicar abaixo:
1.Conexão com outro projeto genial, chamado ¨Santo André Cidade Botânica¨ - a idéia principal era ao invés da cidade possuir um jardim botânico, a cidade ser o jardim! Para isso, uma grande equipe de engenheiros agrônomos, civis, arquitetos, técnicos de várias áreas e os jardineiros trabalhavam como uma grande equipe coesa para a implementação da idéia, era fácil observar a paixão da maioria no fazer de tudo isso...
- Santo André tem um viveiro municipal, muito bem localizado (por questões ambientais mesmo) e que tinha (não sei como está hoje em dia..) um estrutura de produção de espécies interessante!
Lá eram feitas as reproduções das plantas de médio e grande porte para a cidade, o melhor? - grande parte da produção era de árvores nativas de mata atlântica que minimamente teriam e tem a nobre função de alimentar algum ser vivo que insiste em sobreviver por estas bandas... pássaros, morcegos, insetos e outros... Neste espaço experimentar era possível e apoiado, muitas plantas foram produzidas pela curiosidade de alguns agronômos que recolhiam sementes florestais de mata atlântica e estudavam sua germinação, produção em escala e quando tudo dava certo -> cidade!
- Outro fator muito importante que foi considerado foi a organicidade e funcionalidade das formas dos espaços, trocando em ¨miúdos¨... locais como canteiros, praças, morros, parques, calçadas, quando desenhados os croquis da intervenção, os técnicos e especialistas do assunto consideravam a topografia como elemento funcional para a absorção das águas das chuvas, pois se você pegar um terreno e terraplanar, com bem pouca chuva terás um charco, afinal a água não tem para onde escorrer, quando este satura, encharca e ainda o peso da água ajuda a compactar o solo... furada! Porém, se o terreno é cheio de ondas, curvas, morrinhos e tals... você ¨obriga¨ a água passear pelo solo, que encontram naturalmente os canais de infiltração e no máximo terás alguns pequenos pontos de alagamento se a chuva for bem forte.
- Um ponto interessante desta concepção era o de ¨ajudar¨ os moradores da cidade à se integrarem a este ambiente, sendo assim as calçadas, praças e canteiros tinham seus caminhos traçados no meio da vegetação, ao contrário do que se vê nas cidades (os caminhos sempre estão nas regiões periféricas - do lado de fora da praça, canteiro e tals...) assim, acabamos nos habituando em andar nas ruas olhando para carros e prédios; no caso desta mudança, os caminhos que as pessoas precisavam trilhar era cercado de plantas ornamentais (com flores de variadas cores, formas, cheiros, funções) e frutíferas de ambos os lados (quando tinham os lados...). Tudo em Volta, de novo... Quanto as herbáceas (aquelas plantinhas pequeninas que podemos utilizar para forrar o solo, e algumas podemos até chamar de forrageiras), sua produção era feita nas próprias praças, afinal uma característica importante deste tipo de planta é a capacidade de ¨forrar¨ o solo, portanto em um curto período de tempo, o solo da praça era tomado por tais plantas e aos poucos adensavam; chegavam os jardineiros, retiravam uma parte daquelas plantas e as plantavam em outra praça, calçada e etc... as que ficavam, rapidamente cobriam a clareira formada e assim as praças se tornaram viveiros funcionais na cidade (e não dá pra dizer que é um projeto permacultural?).
- Os jardineiros, antes conhecidos como frente de trabalho, ganharam mais uma qualificação, aprenderam a cuidar de jardins, tornaram-se jardineiros - fundamentais na execução e manutenção do projeto (o que aconteceu à eles agora?) Soube de alguns que já tinham carta livre para desenhar algumas praças com total confiança de seus supervisores, bravo!

2. Transformação arquitetônica e paisagística das escolas da rede municipal - O ¨Tudo em Volta¨ era um projeto de sentido de palavra... uma das ações aplicadas nas escolas era a pintura geral da escola utilizando cores, muitas cores, de maneira harmônica e alegre, os espaços ganhavam vida! Outra implementação era a derrubada de muros, ou parte deles para a colocação de alambrados que proporcionavam limite ao espaço escolar, porém sem a idéia de fortaleza, local não bem vindo de qualquer indivíduo não escolar.. a idéia? Integrar a escola ao ambiente inteiro e integrar o ambiente à escola (Tudo em Volta começa a fazer sentido, não?!). As escolas eram reformuladas paisagisticamente, onde plantas que estavam sendo introduzidas nos espaços da cidade (praças, canteiros, parques, calçadas) também entravam nos espaços da escola, além da construção de coleções botânicas na própria escola, onde os professores que interagiam com o projeto (via Secretaria da Educação) assumiam tais espaços como recursos didáticos em seus projetos, disso nasceram mini orquidários, hortas, terrários, eleição de árvore símbolo da escola (tal árvore de fato existia na escola) entre outras coisas...

3. Parque Escola - local onde tive meu primeiro contato prático com a permacultura, porém não se utilizava este nome, pelo menos pelo doidão que eu tomo a liberdade de nomear como grande cabeça desta história toda, um Arquiteto Paisagista que facilmente atribuo como Metarecicleiro, Permacultor e Botânico, pelo menos... sem dizer que era doidão mesmo, no bom sentido é claro! A experiência de trabalho com ele, para a maioria dos que viveram este momento (daquela galera boa da qual falei acima) foi genial e certamente inesquecível. O Parque Escola foi recriado por este figura com base em reaproveitamento de materiais locais de todos os tipos (troncos de árvores mortas, vidros de ônibus velhos, containers da construção civil, calhas do tamanduateí, paralelepipidos (retirados das ruas da cidade para o asfaltamento), madeiras, telhas, calhas... foram tantos, tantos materiais que não caberia nomear todos, mas não poderia esquecer de um grande alambique que ganhou função de armazenagem de água da chuva! Com tudo isso em mãos vários espaços interessantíssimos foram construídos num desenho orgânico, sistêmico e belo!
- Citando uns espaços (obs. no caso abaixo, toda palavra que acabar com ¨ário¨ quer dizer coleção): Bromeliário, Orquidário, Insetivorário (mais conhecido com carnivorário, ou plantas carnívoras), Cactário e Suculentário, Horta Orgânica, Horto de Medicinais, Bosque, Biblioteca, Espaço Multi-Uso (oficinas de arte), Carpoteca, Estufa, Auditório, Esporo Metareciclagem.
Este espaço concentrava os multi profissionais, afinal dividia espaço com o DEPAVE, então a troca e a aprendizagem era fator intrínseco no nosso dia a dia, aliás os educadores (biólogos em sua grande maioria) sempre estavam envolvidos nos trabalhos de campo dos agrônomos e jardineiros de alguma maneira, fosse identificando espécies, fosse dando aulas de jardinagem para a comunidade (as práticas sempre eram plantar algum jardim da cidade!), coletando amostras de bromélias para controle de dados da dengue, enfim trabalho à fazer na cidade nunca faltava e essa miscelânia de projetos, objetivos e profissionais davam um gosto mais que especial ao ¨Tudo em Volta¨.

Foto do Cactário - Fonte: Marcus Corradini - http://marcuscorradini.blogspot.com/2008_07_01_archive.html

- Um dos focos do Parque Escola no Projeto Tudo em Volta era o de receber as escolas (principalmente da rede municipal, que estava inserida no contexto integral do projeto) para o que chamávamos de ¨Aula Passeio¨. Nestes encontros, os educadores ambientais desenvolviam coletivamente com os alunos uma busca por um olhar mais apurado para o que estava acontecendo na cidade, a importância disso, a correlação com a questão ambiental, enfim trabalhávamos com a leitura da paisagem em suas diversas facetas e metodologias para integrar as crianças (na sua maioria) à Tudo em Volta, vislumbrando com isso uma ¨sensibilização¨ pelos moradores da cidade e de outras também é claro!

Fatos, dados, idéias fantásticas destes projetos certamente eu não citei, para isso teria que me dar ao prazer de escrever um livro sobre a história, pena ter tão pouco registro dessa história! Isso é apenas um resumo do resumo do resumo...

Possivelmente alguns leitores deste post irá perguntar: Tá, tudo isso, mas onde entra a reflexão de hoje, em cima de um viaduto contemplando copas de árvores, onde está o manifesto?! rsrsrsr

O que acontece é que em algum ponto, onde o essencial, necessário, útil, dá lugar ao imediatismo ou para ser mais precisa, à política do ego!
Foi só mudar a administração da cidade, para ver o Tudo em Volta ir por água a baixo...
Todo o esforço dos jardineiros (frente de trabalho, arquitetos, biólogos, agrônomos, engenheiros) tem sido arrancado dos espaços verdes para a substituição das gramas da empresas terceirizadas...

A fauna que retornou à Santo André pela diversidade verde antes criada, vai ter que procurar outro lugar para alimentar-se...
Coisas absurdas, como corte (sem nenhuma razão) de plantas de médio e grande porte pela metade, deixando um aspecto de abandono, feiura... sem dizer que as plantas que antes existiam, imitavam o aspecto visual da nossa flora brasileira (alguém já viu algo parecido em nossos ecossistemas com as praças gramadas com árvores distantes umas das outras?).
As forrageiras tinham outras funções que a grama não pode agregar, sendo uma delas a de esconder a sujeira da cidade, na época em que estes espaços existiam, pouco se via de lixo, as plantas as escondiam (o efeito de local limpo, favorece a limpeza - vide Curitiba e metrôs), agora com a grama aparadinha... muito lixo a vista!
Também ocorria que estas forrageiras (de espécies diferentes) faziam uma recomposição de alguns nutrientes no solo, quando suas folhas secavam e se agregavam ao solo...
A grama aparada e posteriormente ¨varrida¨, não pode nutrir a terra...

E porque tudo isso? Porque nós, moradores deste local não fomos ouvidos? Porque não quiseram saber o que pensávamos sobre o verde da cidade? Se nos apropriamos à ele ou não?, afinal na época do projeto, muito se ouvia da comunidade coisas como: a cidade tá mais verde, a cidade tá mais bonita, mas não sei porque....
Pessoas se manifestando contra essa ignorância municipal coletiva, tem! ah sim
Mas continuamos não sendo ouvidos, ouvidos?, quem ouve?

Eu ouço os passarinhos, que dia após dia, reunem-se em assembléia em copas de árvores floridas de Santa Terezinha para comunicar a vida e me inspirar para quem sabe um dia discorrer alegrias!

Depois do micro post do facebook, um macro post por aqui, finalizo deixando um link com uma sátira mais que inteligente sobre árvores voadoras, que veio muito a calhar com a inspiração causada pela observação das copas dar árvores...

http://veja.abril.com.br/blog/denis-russo/clima/o-ataque-das-arvores-voadoras/