quinta-feira, 3 de junho de 2010

As árvores!

Urbanesas



"O vídeo-arte Urbanesas é senão um registro, uma extensão do pulso cênico em linguagem audiovisual. Eis o que me toca:

Tecidas à barro, e com as suas próprias mãos, cuidadosamente, tecidas. Todos os corpos e também as suas tranças ungidas à barro. Mulheres ou anjos vestidas em finos tecidos de branco. Tecidos bordados em rendas. Nem mulheres nem anjos: devir-árvores-partidas. Três almas vivas ressurgem, num breve retorno da morte. Ao invés delas, só a fineza do concreto é que nos dava matéria aos olhos, à humana natureza em nossos poros.

Em seus dedos brotam flores pequenas. Mas as pequeninas flores são brutas. Flor por flor na superfície palpável do mundo, jardins suspensos por mãos dançarinas. Um artifício do desejo, e ele aqui é toda a paisagem, embalado por memórias em fuga.

Em passos lentos, ruídos, surgem as urbanesas no Porto da Barra. Atravessam a faixa de pedestre, lapso de outro tempo no trânsito, miragem. Enquanto elas, as buzinas e as obras. Ônibus, tratores, placas e poemas. Por um instante os martelos descansam. A cidade, contudo, não pára, mesmo frente ao insólito encontro, à substância imprevisível que lhe toca, névoa efêmera de vida.

Também na vigilância instituída das ruas, uma pausa. Uma cena duvidosamente suspeita? Mas o Estado não entende a brevidade, a não ser no assassínio dos menores. Homens de uniforme, perplexos à presença absoluta e furtiva da dança.

Sobre os vestígios dos troncos, por entre os escombros, descalços pés de urbanesas. Tão leves suas azas ao vento. Dançam suas pétalas aos ares, dançarinas que são, urbanesas. Lentos e sutis movimentos, sopram sonhos pelas frestas da rotina. Na faces mórbidas e angelicais de suas damas, a expressão muda da natureza ferida.

Ao fundo da imagem capturada, também os gritos do mar. Nuvens pesadas passeiam. Ao ranger de portas entreabertas, o som...

Troncos de vidas passadas. Brotam flores trazendo Urbanesas. Devagar, aos passos de viúvas negras. Devir de pés e de troncos. Belas sombras de mar e de céu. Aos ventos de flores e véus. Inala a superfície árida, a pele em texturas grosseiras, onde outrora, galhos suspensos, fartas sombreiras.

Parece crepuscular o instante em que também o vídeo se encerra. Douradas luzes que pulsam da tela. As novas estátuas da Barra, são uma aparição de urbanesas. Ligeiras esculturas, perenes ao olhar do cinema. Eis o que me toma: o suspiro breve da cena."
Texto e vídeo recebidos na Lista do Metareciclagem